quinta-feira, 30 de julho de 2009

A terceira perna

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais.
Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável.
Essa terceira perna eu perdi.
E voltei a ser uma pessoa que nunca fui.
Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas.
Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar.
Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
É difícil perder-se.
É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.
Até agora, achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver.
A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão.
Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorganização.
Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser?
E no entanto, não há outro caminho.

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